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domingo, 25 de setembro de 2011

Parte 5 criança a alma do negócio

Parte 3

Parte 4

Parte 2 criança a alma do negócio

Criança - a alma do negócio

Parte 3

era uma vez outra maria - Parte II

Era uma vez outra Maria - Parte I

Queridos alunos de Serviço Social , os vídeos estão aí. Vejam com carinho e construam a atividade. Abraços, Prô.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Psicanálise e Sociedade - Maria Rita Kehl

Vejam só que beleza é o poeta Manoel de Barros!

Soberania
Manoel de Barros


Texto extraído do livro (caixinha) "Memórias Inventadas - A Terceira Infância", Editora Planeta - São Paulo, 2008, tomo X, com iluminuras de Martha Barros.

Saiba mais sobre o autor e sua obra visitando "
Biografias".



Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Para Maria da Graça

Quando ela chegou à idade avançada de 15 anos e eu lhe dei de presente o livro Alice no País das Maravilhas.
         Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
         Escuta: se não descobrires um sentido na loucura acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade. A realidade, Maria, é louca.
         Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?"
         Não te espantes quando o mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta; o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
         A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas, nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados conseguem abrir uma porta bem fechada e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial, e temos a presunção petulante de esperar dela grandes conseqüências. Quando Alice comeu o bolo, e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. Apesar de ser isso o que acontece geralmente às pessoas que comem bolo.
Maria, há uma sabedoria social ou de bolso; nem toda sabedoria tem de ser séria ou profunda.
A gente vive errando em relação ao próximo e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!” Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo para a tua sabedoria de bolso: se gostas de gato; experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gatos se fosses eu?”.
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política, nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que, quando os corredores chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não conseguirá saber quem venceu. Para o bolso: se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre aonde queres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois um romance é só o jeito de contar uma vida, foge, polida mas energicamente, dos homens e das mulheres que suspiram e dizem: "Minha vida daria um romance!" Sobretudo aos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida toda uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. Mas como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom-humor. Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de sofrimento ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago,  pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor tem a sua medida. É feio, é imodesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Salvador Dali

A obra “A Persistência da Memória” foi assim nomeada devido ao fato de ser dificilmente esquecida. Segundo Dalí, as formas e cores de sua composição ficam gravadas na memória até mesmo de quem a observou apenas uma vez.

Os relógios flácidos foram idealizados por Dalí após jantar uma porção de queijo camembert, caracterizados por possuir consistência cremosa. Porém, o propósito de Dalí não foi o de persuadir pessoas a comerem relógios; eles conotam dois significados distintos: primeiramente, a relatividade do tempo e espaço (ambos maleáveis), característica notada também na marcação das horas, distinta nos três relógios, e na mosca pousada em um deles, indicando que “o tempo voa”. E subliminarmente, o contraste entre macio e duro, indicando impotência e erotismo, respectivamente. Podemos ver então a influência da teoria freudiana nas obras de Dalí, como seus estudos sobre instintos, onde estes seriam canais através dos quais a energia pudesse fluir. Essa energia seria aproveitável para os instintos de vida. "Sua produção, aumento ou diminuição, distribuição e deslocamento devem propiciar-nos possibilidades de explicar os fenômenos psicossexuais observados" ( 1905a, livro 2, p. 113 na ed. bras.).

As formigas representam decadência, e o ato de atacar o relógio como se este fosse um produto orgânico é outro sinal da sexualidade inserida na obra, onde estas buscam saciar os instintos citados acima.

Como em muitas obras, o rosto de Dalí está presente na pintura, sendo destacado no fundo preto.

O azul do céu e a cor de areia das rochas contrastam com o resto da figura. As linhas não seguem padrões estéticos nem direções significativas, traço marcante no surrealismo.


Fonte: http://pt.shvoong.com/humanities/arts/1955638-an%C3%A1lise-persist%C3%AAncia-da-mem%C3%B3ria-salvador/#ixzz1Xkjl9JKp

Psicanálise e Educação

Mestre-e-cuca: uma abordagem psicanalítica da educação
Renato Mezan
 
Resenha de Marcia Neder Bacha, A arte de formar: o feminino, o infantil e o epistemológico, Petrópolis, Vozes, 2002, 148 p.
 
 
 
Existe atualmente uma insatisfação generalizada com a escola: professores se queixam de que os alunos não querem aprender, alunos consideram as aulas monótonas e sem interesse. Em grau maior ou menor, não há quem não tenha escutado alguma variante destas afirmações, tanto no âmbito da escola pública quanto da particular, vindo ora de professores experientes ora de iniciantes, assim como de alunos de todas as séries, do fundamental à pós-graduação.
 
O livro de Marcia Neder Bacha, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, parte dessa constatação quase banal. Mas, em vez de se limitar aos lamentos de costume, sua investigação vai em busca dos motivos dessa calamitosa situação. E a direção que toma poderia surpreender: não verbera os baixos salários, a televisão nem a Internet, não protesta contra a desinteresse dos pais ou contra a tirania dos vestibulares, que exigem mais “informação” do que “formação”. Embora reconheça que os fatores mencionados contribuem para agravar a crise da educação, ela entende que o âmago do problema está em outro lugar – na própria relação entre o professor e o aluno, por sua vez ancorada nas fantasias inconscientes que circundam, na psique do professor, a sua função e a sua tarefa.
 
Este diagnóstico baseia-se numa ampla experiência como formadora de professores, no âmbito de vários programas de capacitação e de pós-graduação em que teve oportunidade de atuar. Sistematicamente, como conta nos capítulos iniciais, Marcia se defrontou com o desânimo dos professores frente ao seu trabalho, com o ressentimento diante da indisciplina e mesmo à ingratidão dos alunos, e com as expectativas de que as aulas de psicologia que estavam freqüentando os habilitassem a lidar com isso. O que esperavam era aprender “técnicas de ensinar” e “meios para motivar”; o que a professora lhes ofereceu, porém, não foi isso. Propôs que falassem sobre o que os afligia, sobre seus medos e suas inseguranças, sobre o que era para eles “ensino”, “aluno”, “professor”, “conhecimento”. E o resultado foi tão assombroso para ela quanto para suas turmas: “turbulência” e “fúria narcísica”, questionamento apaixonado do seu método, resistência furiosa contra o que parecia não levar a lugar algum, ou, pior, contra o que poderia degenerar em psicodrama coletivo.
 
A essas experiências em sua própria sala de aula, Marcia Neder Bacha chama com o nome de “catarse”, e aos poucos foi aprendendo a compreendê-las. O que aparecia nesses momentos de grande angústia e de profunda perturbação era um cortejo de imagens sobre a tarefa de ensinar, imagens sob as quais – seguindo o conselho de Gaston Bachelard (“escutar as metáforas”), e escorada no seu sólido conhecimento da psicanálise – a professora pôde discernir um padrão consistente e repetitivo de fantasias inconscientes. Seu livro consiste na análise dessas fantasias, em três planos que se intersectam constantemente. O primeiro é o da história da cultura, na qual elas se originam e se depositam. O segundo é o da vida psíquica do professor, na qual elas moldam a identidade deste e o acompanham constantemente no exercício das suas funções. O terceiro plano se move na epistemologia da psicologia, na medida em que essa disciplina constrói uma concepção da criança, das suas capacidades intelectuais e afetivas, bem como do que é o ensino e a educação em geral. Essa concepção, argumenta Marcia, está baseada no recalque das paixões e da sensualidade; é portanto tributária da visão sobre o infantil que se sedimentou ao longo dos séculos na civilização ocidental, e nessa exata medida funciona como defesa contra angústias e fantasias que habitam o trabalho de educar.
 
Na Introdução, ela expõe com clareza o eixo central do argumento: “A formação instaura um conflito no formador, que é bem mais complexo do que sugere a velha cantilena do ‘liberar ou reprimir’ (...). O pedido insistente de receita indica o destinatário da mensagem no inconsciente, e é também um pedido de ajuda, expressando a idéia de que há algo de inquietante na formação do outro. De fato, no mundo da fantasia a formação mal se distingue da religião e da maternidade. Essa proximidade causa uma perturbação sem tamanho, misto de fascínio, temor e inveja, que é necessário elaborar. O ofício de formar mobiliza angústias e desejos capazes de convocar um exercício de defesas, afastando o formador da imagem de serenidade monolítica” (p. 14).
 
Da catarse às fantasias
 
Foi escutando o que diziam os professores que Marcia chegou ao seu inventário de fantasias. Com efeito, convidados a falar sobre suas experiências, eles quase de imediato recorrem a figuras de linguagem tiradas da guerra (luta, combate, disciplina, controle, domínio, rebeldia, armas...), que rapidamente passam para metáforas referentes à nutrição (alimentar, suprir, oferecer, crescer...). O que faz a autora? Com determinação e sutileza, segue essas pistas, reconstruindo os fantasmas que nelas se expressam e ganham sentido. Ora, esses fantasmas ligam o ensinar à função materna, e fazem surgir o professor, qualquer que seja o seu sexo real, como indissoluvelmente ligado ao feminino. Aqui Marcia se vale da crítica freudiana da cultura, assim como de uma grande familiaridade com a história da educação, para desvendar algumas das significações que nossa civilização associou à idéia e à imagem do feminino.
 
Essas significações são repetitivamente negativas, tanto na tradição grega quanto na que provém dos Padres da Igreja, e, curiosamente, isso se reflete na forma como é imaginada a aquisição do conhecimento. Na Bíblia, o fruto da árvore do bem e do mal é comido por Eva, que se torna assim a causa da expulsão do Paraíso e de todo o sofrimento que acompanha a condição humana. Na mitologia grega, para punir os homens por terem recebido de Prometeu o fogo e com ele o conhecimento de como dominá-lo, ou seja, as bases da civilização, Zeus envia à casa do pai de Pandora a famosa caixa, que uma vez aberta pela jovem deixa escapar todos os males que nos atormentam. A aquisição do saber é portanto assimilada a uma transgressão, que, como toda transgressão, gera culpa e ansiedade: e nesse crime originário o papel da mulher é sempre nefasto.
 
Marcia, porém, não se detém nessa constatação: ela interpreta esses mitos como uma defesa contra algo mais profundo. Com efeito, eles isentam o professor da ameaça de ser ele, e não os deuses, o agente da perturbação: “não sou eu quem angustia, mas o fato de que conhecer é apropriar-se de algo proibido”. Afastada essa imagem defensiva, surge em toda a sua nudez o amplo espectro de fantasias e de angústias que estruturam – o termo é forte, porém necessário – a identidade do formador.
 
Qual é a tônica da imagem da mulher na nossa tradição? É sem dúvida a da “esfomeada de amor”, que por sua volúpia seduz o homem e arrasta à ruína. A Patrística herda aqui a misoginia da tradição filosófica grega, que separou o corpo/matéria da alma/espírito, e procurou desde Platão atravessar o sensível para atingir a contemplação do inteligível. Mesmo em Aristóteles, que revaloriza a experiência e se dedica a estudar a Natureza, sendo nesta qualidade o pai das ciências da observação – mesmo em Aristóteles, o sensível é ontologicamente inferior ao abstrato, às formas ideais (conceitos) que capturam a essência das coisas. Isso porque o material/corporal nasce, morre e se movimenta, portanto dá a todo instante provas da sua imperfeição. Diante disso, o filósofo deve procurar a contemplação do que é e não do que aparece, deve buscar apreender a idéia em sua consistência e em sua imutabilidade, ou seja, deve buscar o eterno, porque é nele que reside a perfeição – seja esse eterno o das entidades matemáticas, seja o das entidades lógicas, seja ainda o que está “para além da Natureza”, metá tà physikà, o reino da metafísica.
 
Ora, quando os Padres da Igreja retomam numa clave teológica esta divisão fundadora da filosofia, o sensível vem a ser identificado com o feminino, e o imaterial com o masculino. A misoginia desse momento da civilização ocidental, no qual se organizam as crenças fundamentais do cristianismo, assombra por sua virulência o leitor contemporâneo: sendo Deus espírito e homem feito à sua imagem e semelhança, animado pelo ruah Elohim (o sopro divino), enquanto a mulher foi feita da sua costela, segue-se que ela é essencialmente matéria, e ele apenas acidentalmente matéria. E como matéria é igual a corpo, e corpo é igual às necessidades físicas que Santo Agostinho elenca sob o título genérico de concupiscência, a conclusão é que a mulher é o “vaso do pecado”, o agente do pecado e o próprio pecado em forma de gente.
 
Dessa série de equações simbólicas, só pode advir como conseqüência o pavor do feminino. E esse pavor atravessou os séculos, como demonstra Marcia citando com segurança os escritos teológicos desde Santo Agostinho até o Malleus Maleficarum, o manual do inquisidor escrito no século XV por dois monges alemães. A persistente associação da mulher com a bruxaria, que conduziu entre outras coisas à queima de tantas “feiticeiras” até bem avançado o Seiscentos, traz no seu bojo uma dupla imagem baseada na voracidade: tem fome de carne, literalmente (é devoradora de homens e de crianças, como mostram tantas figuras mitológicas), e tem fome de sexo, o que a leva a copular com os demônios, pelo que adquire tanto vivências de prazer orgásticos quanto o poder de fazer mal aos inocentes (como mostram todas as histórias de fadas em que aparecem bruxas). Ora, Lúcifer é também uma figura de transgressor – não foi ele o artífice da rebelião dos anjos contra a divindade?
 
Esse excurso pela história da cultura desvenda a significação angustiante que no inconsciente do professor acompanha as fantasias de maternidade. A mãe que surge aqui não é protetora carinhosa, mas a “mãe-ogra”, cuja ação é animada pela pulsão oral. É preciso compreender que, se “formar” é vivido como análogo a “gerar”, e se gerar é uma função feminina – pois, ao reduzir o macho à pura condição de espírito, toda a “carne” passou para o lado da fêmea – então a identificação com a função de formar virá, inevitavelmente, acompanhada por conotações destrutivas no registro oral. E é precisamente isso que Marcia afirma, numa das passagens mais contundentes do seu livro: “É oral a avenida que nos leva à razão, como bem sabe o inconsciente dos professores/alunos em seu pedido de receita. E se a volúpia com que o professor saboreia o fruto (do conhecimento, RM) fosse determinante na formação? (...) Se o conhecimento é perigoso, não é propriamente porque transgride uma interdição dos deuses, mas porque essa transgressão ameaça nos precipitar num reino de vultos, de criaturas fantasmáticas informes e com limites imprecisos” (p. 98). E no mesmo registro: “nossa cozinha simbólica mistura amar, comer, conhecer, pensar e procriar, tudo num mesmo caldeirão” (p. 97).
 
O adulto sedutor
 
Assim, compreende-se que ela vá buscar na teoria da sedução generalizada de Jean Laplanche o fundamento para suas análises mais percutantes. O que esse psicanalista afirma é que, no contato entre adultos e crianças, não se pode ignorar que o adulto possui um inconsciente, e que neste inconsciente se encontram fantasias sexuais recalcadas. Por essa razão, diz ele, “todos os gestos do adulto em relação à criança possam alguma coisa da sua própria fantasia inconsciente. Ainda mais porque a relação do adulto com seu próprio inconsciente é reativada na relação com a criança” (cf. p. 70). É essa a “sedução originária”: o próprio cuidar da criança, por mais que esta se beneficie do mesmo, é a ocasião para que a mãe a erotize, provoque nela sensações físicas e introduza em seu psiquismo os “significantes enigmáticos”, ou seja, elementos para os quais a psique infantil não está preparada, e que a obrigam a um trabalho de elaboração. Não se veja nisso, de resto, qualquer condenação da psicanálise às boas intenções das mães: é essencial tanto para a sobrevivência física quanto para o desenvolvimento psíquico da criança que ela receba tais cuidados, que seja introduzida pela mãe e pelos que a circundam no universo propriamente humano. Mas esse universo é sexual e sexuado, e disso a criança não poderá escapar.
 
Contudo, uma coisa é ver este processo pelas lentes da teorização psicanalítica, e outra bem diferente é viver na própria carne os conflitos que tais fantasias suscitam no adulto encarregado de “formar”. A mera possibilidade de que na relação com o aluno – desejada por ele próprio, como alavanca e motor da função de ensinar – o professor se veja inelutavelmente envolvido na prática da sedução desperta resistências de vulto, como demonstram as “catarses” de que Marcia nos fala nos capítulos iniciais do livro. Entenda-se bem: sedução aqui nada tem a ver com desencaminhamento moral de menores, e muito menos com relações físicas, no sentido sexual, entre professores e alunos. O que Marcia sustenta, com ampla base documental e fundada na sua própria experiência de professora, é que a relação do professor com suas identificações estruturantes, com seus ideais de ego – entre os quais o de educar – e com suas fantasias inconscientes, entre as quais as que estou mencionando, virá inelutavelmente colorir sua atuação em sala, e nem poderia ser de outro modo. Cabe a ele despertar no aluno o desejo de aprender, e este desejo é também um desejo sexual, no sentido amplo desse conceito em psicanálise: está ancorado em fantasias sexuais, como mostrou Freud, e, quando é excitado e satisfeito, produz prazer. E o prazer, no gênero humano, tem suas raízes mais profundas na dimensão sexual, como também mostrou Freud ao estudar a sexualidade infantil e ao vinculá-la à experiência de sugar o dedo, que por sua vez deriva da satisfação obtida ao mamar. São essas páginas ainda hoje escandalosas dos Três ensaios para uma teoria da sexualidade que inspiram tanto as reflexões de Laplanche quanto a investigação a que se propõe nossa autora.
 
Ora, diz ela, “a criança não passa incólume pela ambigüidade do adulto”, ambigüidade em relação ao que faz e sente, mas também em relação à criança que ele traz em si. Essa ambigüidade, por produzir angústia, é projetada para fora – e vem determinar as concepções da criança a ser educada que subjazem às diversas teorias psicológicas.
 
Escavando as psicologias
 
Aqui, mais uma vez, é a história da cultura que permite compreender o âmago do problema. A “criança das psicologias” é um objeto construído a partir do que a tradição filosófica e teológica formulou sobre a infância, mesmo e sobretudo quando a psicologia pretende dela se afastar. E como é a criança desenhada pela tradição? Assim como a mulher, ela é nos Padres da Igreja a própria encarnação do mal. Ser do pecado porque concebida em pecado, é por natureza presa das tentações dos sentidos, porta de entrada das paixões, do prazer e da sensualidade. De onde a “guerra cotidiana contra meu corpo” de que fala Santo Agostinho nas Confissões (livro X, citado por Marcia à p. 75). Essa malignidade natural da criança, afirmada pelos pedagogos até bem avançado o século XVII, voltará à cena no século XIX, quando a preocupação com a “saúde” fará com que médicos e educadores empreendam uma verdadeira guerra santa contra a masturbação.
 
Os textos citados por Marcia não deixam lugar a dúvidas: a visão da criança está estreitamente associada à da mulher. Misoginia e pedofobia são os pilares sobre os quais se assentou a instituição escolar, e precisamente por essa razão ela necessita ocultar o lado pulsional dos adultos, assimilando a pedagogia ao “sacerdócio”. O intolerável é assim expulso do adulto e vem recair sobre a criança; e isto continuará a acontecer mesmo quando, no século XVIII, Rousseau inverte as balizas do problema e dá início à idealização da criança, definindo-a como pura antes de todo contato com a civilização, que, mais do que a educar, a perverte. É evidente aqui que a concepção do que é criança depende estreitamente do que os filósofos entendem por natureza: se esta for reputada boa, enquanto da cultura provém o mal, a criança será tida por pura e boa em sua essência mais íntima; se a natureza é a região da matéria e por isso inevitavelmente maculada pela imperfeição e pelo pecado, se é do espírito que provém a salvação e da carne que brota a concupiscência, a criança será tida por maligna e pecaminosa, até que possa compreender o mistério da fé e se dedique a merecer, por seu comportamento e suas atitudes, a bênção da graça divina.
 
Tanto num caso como no outro, a repartição coloca o natural do lado da criança e o cultural do lado do adulto, cultural este entendido como um universo de regras sem resto. É o que propõe Comenius, o educador tcheco do século XVII, ao comparar a escola a um mecanismo de relojoaria no interior do qual se pudesse realizar a tarefa educativa do modo mais “exato” possível. Isso significa, como mostra Marcia, expulsar o passional e o pulsional, e se encontra na raiz de todas as “tecnologias” da educação.2
 
Nessas condições, sua proposta é resgatar, na reflexão sobre a escola e sobre suas funções, a dimensão pulsional. Educar é nutrir, e nutrir com Eros, como diz Platão em O banquete. A psicanálise não precisa se intimidar diante da situação educativa, nem reduzir a última ao mero jogo do “afetivo”: ela pode elucidar a relação que o adulto formador mantém com suas próprias fantasias, não apenas as estritamente pessoais, mas, se podemos dizer assim, também as “profissionais”. Pois “tornar-se professor” é um projeto identificatório, e, como qualquer projeto desse tipo, implica identificar-se com figuras, imagos e ideais construídos na e pela cultura. Assim, não é preciso ignorar o óbvio: que a escola nasce de uma oferta dos adultos à criança, e, portanto, veiculará significações e desejos inconscientes que toda oferta de um adulto a uma criança involucra necessariamente.
 
“O próprio da psicanálise”, diz Marcia nas páginas finais do seu livro, “é analisar – e não julgar – os desejos inconscientes. É ouvir esses desejos, e não tapar os ouvidos com a cera da crítica. De minha parte, estou longe de exortar os professores a se despojarem desses espectros que os vêm assombrar na escola, e exigir dos mestres que se dispam das fantasias que supostamente usurpariam” (p. 135). Ao contrário, é melhor que o professor dialogue com esses fantasmas, escute o que eles lhe dizem, e perceba como dirigem à sua revelia o comportamento que manifesta em suas aulas. Aplicar a psicanálise à situação educativa, prossegue ela em síntese, significa trabalhar a transferência do professor para com a educação e para com os alunos, bem como compreender as transferências dos alunos para com ele, procurando evitar a confusão entre as figuras projetadas por eles e sua própria pessoa. Também significa desmistificar a idéia de que o conhecimento é algo asséptico, idéia que carrega consigo as marcas da tradição ascética e misógina da qual falamos atrás. E, por fim, significa ajudar o professor a lidar com as resistências que o diálogo com seus fantasmas não pode deixar de suscitar, pois eles são de fato assustadores: quem quer se reconhecer na figura da mãe-ogra, ou na da sedutora perversa?
 
Para finalizar: jogando com as múltiplas conotações do ensinar e do devorar, Marcia cunha a metáfora do mestre-e-cuca, que talvez resuma todo o seu percurso. A Cuca, como se sabe, é uma das figuras da bruxa sequiosa pela tenra carne infantil. Também é o nome, no Sul do Brasil, de um doce apreciado pelas crianças, e na língua corrente designa o cozinheiro (do latim cucina, cucinarius, etc.). O mestre é, por natureza, também o Cuca, a Cuca e a cuca: melhor que saiba disso, porque dessas mesmas fantasias provém o impulso que o leva a amar seu ofício – e seus alunos.
 
 
Renato Mezan é psicanalista, professor titular da PUC-SP, coordenador editorial de Percurso e autor de vários livros.
Queridos alunos, sejam bem vindos ao meu blog. Abraços, Profª Karem.

Caminhante não há caminho....

Cantares
Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar

Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão

Gosto de ver-los pintar-se
de sol e graná voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se...

Nunca persegui a glória

Caminhante, são tuas pegadas
o caminho e nada mais;
caminhante, não há caminho,
se faz caminho ao andar

Ao andar se faz caminho
e ao voltar a vista atrás
se vê a senda que nunca
se há de voltar a pisar

Caminhante não há caminho
senão há marcas no mar...

Faz algum tempo neste lugar
onde hoje os bosques se vestem de espinhos
se ouviu a voz de um poeta gritar
"Caminhante não há caminho,
se faz caminho ao andar"...
A Comunicação é muito importante para a construção do conhecimento. Já disse o poeta: - Viver é a arte de conviver!!!!


Bem Vindos!

Olá pessoal! Vamos conversar um pouco sobre psicologia? Aguardo a contribuição de vocês. Beijo.